sábado, março 25, 2006

Viagem

Num ápice pegas nas roupas, sem fazer escolhas reflectidas. Aleatoriamente, tudo o que precisas é posto em cima da cama. Num emaranhado de cores e texturas, sem qualquer ordem ou lógica, despejas tudo dentro da mala. O coração estremece enquanto relembras tudo o que passaste. Fugir, não é hipótese mas ficar, também não. A casa não te deixa esquecer e só te faz obcecar por todos os pormenores antes da partida dele.
Está tudo no mesmo lugar, as roupas em cima da cadeira, fruto da indecisão matinal; as papeladas do trabalho ao lado dos post-it's colados à mesa "Arrumo isto quando chegar! Um beijo com amor"; os sapatos espalhados; a máquina de barbear; os cd's abertos; os três livros que ele andava a ler; a toalha dele no chão; o cheiro da almofada... tudo! Limpas o pó meticulosamente com um espanador, só para manteres tudo em ordem, já que a tua própria cabeça se tornou num turbilhão de pensamentos desconexos que não consegues controlar.
Nunca pensaste ficar assim... sempre tiveram problemas, ele queixava-se de ti. Tu eras a rude, prepotente, sem ser meiga o suficiente! Tu queixavas-te dos rituais, das paranóias religiosas, das comidas estranhas e do pudor dele. E, mesmo assim, entre discussões e acusações, estavam juntos... e assim se mantiveram, ainda mais próximos, quando o barco sofreu o primeiro abanão... ao qual se seguiram muitos mais!
De rude esposa passaste a mãe, mulher, amante, amiga e confidente! A relação estreitou-se, o amor e toda a sua cumplicidade, sobressaíam apenas numa carícia...
Uniram forças, lutaram juntos, rezaram... encontraram a perfeita união ao atravessar as mais turbulentas águas, mas nem assim ele ficou...
A partida dele abalou-te pela certeza, pela sentença proferida de sorrisos nos lábios e a tranquilidade no olhar: “Vou partir, esta noite...”
Ontem tinhas-lo nos teus braços. Velaste por ele enquanto rezavas para que a partida fosse adiada, para que tudo fosse uma alucinação, apenas excesso de morfina a falar por ele... viste-o definhar, à tua frente, sem nada poderes fazer. Viste-o acalmar-se, e dormir! Ainda a chorar, cumpriste a promeça e completaste o ritual... “Que a tua alma voe em paz, meu amor!”
Hoje sofres e pensas “ele não quer que eu sofra”. Já não tens lágrimas, apenas uma angústia enorme no peito que não te deixa respirar.
Olhas à tua volta... e estás só! A casa, a pouco e pouco, começa a atormentar-te! Decides sair...
Vês os cd's, os livros, as fotografias e decides não levar nada. O passado pesa e não te deixa voar. Queres ir leve, como uma pena, de espírito e bagagem, e só o teu coração tem o peso do mundo!
Pegas na tua mala e sais. Hoje é dia de viagem, com bilhete só de ida, para um sítio qualquer...

(Escrito em Alma, a 22 Março)

1 Comments:

Blogger BrunoS said...

Este merece nova leitura. Já é tarde e acho q me escapou mt coisa.

De qq forma acho q merece continuação.

Ou será que queres q te faça o mesmo? Que te deixe em suspense que tanto adoras ? :-P

6/5/06 02:53  

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